A
linguagem sonora nos games
Por Marlon Fonseca
Assim
como no cinema a cada novo pulo de tecnologia, novas ferramentas e
possibilidades vão surgindo aos desenvolvedores de games e por consequência há
um maior e melhor uso de suas linguagens. Das três últimas gerações,
principalmente, observa-se um uso mais elaborado das maravilhas que a linguagem
sonora oferece. Aqui vamos focar exclusivamente na evolução do uso do som dos
games ao longo de suas gerações.
Linguagem
Mas
antes de qualquer coisa, o que seria linguagem?
De
acordo com o dicionário Aurélio, linguagem pode ser conceituada dentre outras
formas como “qualquer meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos
através de signos gestuais sonoros, gráficos gestuais, etc.”; “meio de
comunicação natural próprio de uma espécie animal”[1]
Quando
falamos em linguagem, nos referimos a uma quantidade imensurável e intricada de
formas sociais de comunicação e de significação.[2]
Linguagem
é, portanto, e o que importa para o presente artigo, qualquer sistema ou meio
utilizado pelo homem para a comunicação de qualquer ideia e/ou sentimento.
Assim
qualquer método utilizado pelo homem para conseguir transmitir uma mensagem,
significado ou sentimento pode ser enquadrado dentro desse conceito. O som,
portanto, é uma linguagem.
No tema
também deveríamos nos aprofundar nas lições semióticas (quem estuda ou estudou
comunicação com certeza possui lembranças dessa matéria) mas, para deixar o
assunto mais palatável a todos, e em apertada síntese, o que devemos entender
aqui é que a construção do sentido, ou seja, a mensagem que determinada forma
de se comunicar que passar, pode ser feita por diversos meios e interpretada ou
até sentida de forma diversa.
A
linguagem sonora é uma das mais complexas existentes. Além de exprimir significados
ela também tem o poder de trazer sensações e sentidos. Ciente desse poder os
desenvolvedores de games usam e abusam desse expediente.
Trilha sonora, sons, efeitos
sonoros, mixagem de som, são ferramentas intrínsecas a essa linguagem a serviço
dos games para a construção de clima, criação de sensações e sentimentos dentre
outras possibilidades. Durante o processo de desenvolvimento de um jogo,
diretores, produtores, desenvolvedores e seus sonoplastas escolhem como usar o
som criativamente para melhor contar suas histórias e amplificar a experiência
proporcionada pelas imagens na tela.
Abaixo
vamos traçar um necessário paralelo entre a evolução da tecnologia nas gerações
de consoles e a ampliação e características do uso do som nos jogos.
As
primeiras gerações. Som como identidade sonora de um jogo ou marca.
Conforme
iniciamos esse artigo, a evolução do uso passa da possibilidade que a
tecnologia permite. Logicamente, as primeiras gerações possuíam limitações
nesse sentido.
No
Atari, logicamente, tudo era muito rudimentar assim como o uso do som.
Raramente um jogo continha trilha sonora, uma das melhores exceções era Bobby´s
going home que já mostrava que uma trilha bem feita caracterizava e marcava um
jogo. Mas a maioria limitava-se apenas a trazer efeitos sonoros muito
rudimentares. Mesmo assim já era salutar a importância da linguagem sonora como
complemento ao que a tela mostrava.
Nas
eras 8 e 16 bits o som era utilizado para a produção dos efeitos do jogo e sua
trilha sonora. Muitas delas viraram hits e são cultuadíssimas até hoje em razão
de talentosos compositores.
Desde os primórdios o som sempre serviu como forma de identidade |
Hoje
em dia é muito comum a reverência pelas trilhas dessa época. Se na era 8 bits
imperavam as trilhas “chicletes”, com temas bem elaborados e em bom ritmo e
batidas simples e repetitivas que não saiam da cabeça do jogador mesmo após o
término da jogatina, na era 16 bits essas ganharam ainda mais cuidado e
qualificação como as de Streets of Rage, por exemplo, que se tornaram clássicas
e exemplos imediatos dessa afirmação.
Mas
elas resultaram em outro fator importante: a marca sonora de um jogo ou
personagem. A galera do master system com certeza lembra de alex kidd por
muitas coisas e uma delas é pela sua trilha sonora, podemos citar fantasy zone
no mesmo caminho. Jogos como Mario, Zelda, Sonic, que estão até hoje com
lançamentos, ainda trazem muito dos efeitos sonoros dos seus primeiros jogos.
Mais do que homenagens são elementos que os identificaram ao longo de todas as
décadas.
Ou
seja, nas primeiras gerações ante a limitação técnica, a parte de áudio era
mais voltado para a trilha e efeitos sonoros em um jogo e as mais qualificadas
acabaram trazendo a característica de ser um identificador da marca e do
personagem.
A
voz nas gerações intermediárias.
Ainda
nessa época e seguindo para as gerações 32 e 64 bits os jogos também ganharam
“voz”. Isso traz maior identidade sonora para os jogos e para os personagens.
Algumas frases tornaram-se bordões e identificadores sonoros clássicos como
“It´s me marioooo”.
Street
Fighter II, já no final da geração anterior, já trazia isso quando os
personagens falavam algo antes dos golpes e no fim das lutas, expediente
marcante que se imortalizou e gerou até brincadeiras e imitações.
Em
mega man 8, saga que sempre teve um forte e qualificado aspecto sonoro, os
vilões passaram a dialogar com o protagonista durante as batalhas, tornando-as
ainda mais interessantes e até imersivas.
Logicamente,
essas situações mostram que com o acréscimo de voz e falas os personagens
passaram a ganhar ainda mais personalidade além de mais uma gama de elementos
identificadores.
Ainda
aqui, com o advento do cd como forma de armazenamento de jogos, primeiramente
no SEGA CD e depois nos PS1 e Saturn, passou a ser bastante comum o uso e abuso
de cutscenes mais elaboradas e as
trilhas sonoras continuaram no seu progresso qualitativo e trazendo novos
elementos como músicas com uso de vocais.
Por fim, e não menos
importante, o voice acting, ou seja a
dublagem dos personagens passaram a ser mais utilizadas e qualificadas passando
a se tornar cada vez mais imprescindíveis nas gerações subsequentes.
Geração
ps2, Xbox e game cube: o som como espetáculo cinematográfico
A
antepenúltima geração começou a flertar com mais força nos aspectos
cinematográficos, tanto na narrativa como no caráter do espetáculo. PS2, Xbox e
o Gamecube permitiam o uso de tecnologias e sistemas de som de ponta como dolby
digital e até DTS. Os aparelhos ofereciam, ainda, a possibilidade de conexão
com sistemas de home-theater caseiros.
Aqui
a questão narrativa ainda engatinhava mas a de deslumbre sonoro ganhou força.
Jogos de guerra, esportes e de corrida passaram a ser muito mais imersivos e
qualificados em razão do acréscimo de elementos e detalhes sonoros, além,
logicamente, da sensação ode espetáculo que passaram a trazer.
As
trilhas sonoras ainda continuam cada vez mais trabalhadas passaram a ganhar
temas orquestrados como no cinema. Como esquecer da canção de abertura de halo
ou a música de god of war?
Não
de forma coincidente, jogos musicais como Guitar Hero e Dance Dance Revolution
também surgiram nesse período permitindo ao gamer “jogar uma música”
A
linguagem sonora como narrativa nas gerações contemporâneas
Diante
de todo o percurso seguido pela linguagem sonora nesse ponto é o que justamente
queríamos alcançar. Em constante evolução em suas linguagens os games passaram
a flertar de vez e aprimorar as suas narrativas. Histórias e personagens com
uma gama dramática e de desenvolvimento maior passaram a ser frequentes com
muitos resultados emblemáticos. Logicamente, o caráter espetacular também se
faz presente ainda mais qualificado.
Acessórios
como headphones e auto falantes integrados aos joysticks permitem agora uma
imersão nunca vistas.
Assim
como no cinema, o uso da linguagem sonora nos games permite uma gama de
sensações, sentimentos além de integrarem das mais variadas formas em suas
narrativas.
O
mais recente exemplo, e o maior deles reside em Hellblade: Senua´s Sacrifice que traz o uso da linguagem sonora
é que, brilhantemente, torna-se parte essencial de sua narrativa. Com forte
influência na linguagem cinematográfica é um dos seus maiores pilares. Senua
ouve vozes. O tempo todo. E são elas não somente o fio condutor da história
como seus guias e até mesmo servem para atrapalhar seu caminho. Os efeitos
visuais também ajudam na construção de clima e de perturbação no jogador.
Os
jogos em VR já usam o som em 3D como elemento de imersão mas Hellblade é o
primeiro jogo padrão, fora dessa tecnologia, que utiliza-se de fato desse
expediente (não é a à toa que assim que se começa o jogo há o aviso de que ele
será melhor apreciado em um headset).
As
informações passadas são o mínimo necessário para se descobrir o que se fazer a
seguir além de confundir e perturbar a mente da protagonista e em alguns casos
até mesmo do jogador.
Já
em Black The Fall, há uma parte em que o gamer deve passar utilizando única e
exclusivamente de seu ouvido. A tela está toda escura e só o som lhe guia para
a saída;
Mas o silêncio também pode trazer significação
e imersão. Em Zelda: Breath of the Wild temos a ilustração dessa afirmação.
Nele, o som além de trazer acordes e trilha sonora que acompanham e embalam os
momentos da história e do mundo retratado faz do uso do silêncio como
potencializador do caráter de experimentação e vivência do game. Barulhos de
vento, animais, da natureza em geral, assim se destacam trazendo uma sensação
de imersão e contemplação únicas.
O silêncio também serve como forma de imersão e contemplação |
Conclusão
Conforme todo o
exposto, ainda que de forma propositalmente singela, podemos observar o poder
da linguagem sonora aplicada nos games. A evolução de sua utilização faz-se
necessariamente um paralelo ao avanço de suas tecnologias ao longo de todas as
suas gerações. Quanto maior a capacidade, maior a possibilidade que os
desenvolvedores tiveram em mãos para se aproveitar de tão importante forma de
comunicar.
O som é capaz de exprimir uma gama vaiadas de sentidos e
sensações além de ser elemento narrativo bastante rico. Os jogos ainda estão em
constante evolução para utilizar-se de forma cada vez melhor e complexa desse
expediente. E conforme vimos e escutamos sua caminhada até agora foi bastante
interessante e embalada com uma bela , envolvente e marcante trilha sonora.
Sobre
o autor:
Marlon
Fonseca é jornalista com interesse, pesquisas e especialização nas áreas de
linguagem, comunicação e suas aplicações em cinema e games.
Atualmente
posta seus trabalhos em seu blog pessoal “Falando de” (http://blogdofalandode.blogspot.com.br/) e
está preparando seu novo site.
[1] FERREIRA,
Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1988,
[2]
SANTAELLA, Lúcia, O que é semiótica,
São Paulo, Editora Brasilense, 1983, pág 12