Crítica: It: A coisa (IT, USA, 2017)
Por Marlon Fonseca
Em
sua obra Dança Macabra Stephen King
destrincha o Gênero do terror e faz a seguinte observação: “o filme de terror aponta ainda mais para
dentro, procurando aqueles medos enraizados – aqueles pontos de pressão- com os
quais todos temos que aprender a lidar”[1]
O
terror em si trabalha com a linguagem para atingir o espectador e causar-lhe
medo. Seja da morte, do escuro, de perder o controle (filmes de possessão
trabalham bastante isso) ou qualquer outro tipo de pavor e fobia, o terror
“brinca” com esses sentimentos todo o tempo.
King
também destaca ainda na mesma obra a questão de o gênero conter subtextos,
trabalhando com sensações e sentimentos além do que se enxerga de imediato, é o
“falar nas entrelinhas”.
“Se
você é um verdadeiro fã do horror, acaba desenvolvendo a mesma sofisticação que
um apreciador de balé desenvolve – cria uma sensibilidade para a profundidade a
e textura desse gênero”, destaca o autor[2]
E
em IT, uma de suas grandes obras, podemos enxergar justamente esses dois
aspectos.
No
sentido do medo é algo extremamente declarado. O principal obviamente é a Coulrofobia, o medo patológico de
palhaços. Há também o medo do sobrenatural,e outros pessoais, todos reunidos na
figura de Pennywise.
Trauma de infância e aventura juvenil além do terror. |
Já
o subtexto da trama, e ai devemos pegar a obra como um todo, em suas duas
partes ou fases, é a questão do trauma da infância que reflete na vida adulta,
nos molda e que somente quando superado de fato se alcança a redenção.
Tanto
livro como o telefilme da década de 90 trabalharam essas questões e justamente
sempre foram citadas como grandes obras do gênero. Durante anos rondou o
projeto da adaptação cinematográfica de IT e depois de muitas indas e vindas,
enfim sua primeira parte foi lançada.
A
trama segue de perto o original. Após um evento fatídico (e ai o filme já
começa com “soco no estômago” do espectador) o jovem Bill e seus antigos e novos
amigos começam a investigar desaparecimentos na cidade e descobrem que há algo
muito maligno por trás deles.
Ambientando
no final da década de 80[3], o filme já acerta em sua estrutura.
Ele lembra muito produções da época como Goonies,
Conta Comigo e produções recentes que recapturaram esse espírito como Super 8 e o seriado Stranger Things.
O perigo que Pennwise representa aumenta a cada momento. |
Há
aqui um aspecto de aventura e drama juvenil que aprofunda a obra e ajuda nas questões
retratados no começo desse texto.
Esse
cuidado ao trazer e cuidar da relação das crianças traz uma maior proximidade e
afinidade para o público para com elas o que acaba fazendo com que o espectador
tema ainda mais por suas vidas.
Até
por que IT ainda é um filme de
terror. Dos melhores já produzidos principalmente por tratar de temas tão
delicados e por colocar crianças e pré-adolescentes em perigo real.
Pennwise
se alimenta de medos, não somente o de palhaços, e suas aparições se adequam ao
pavor de cada receptor de seus ataques. Uma delas é um exemplo belíssimo no uso
de metáfora que a linguagem cinematográfica pode trazer. A personagem Beverly
acaba de passar pela sua menstruação e ao chegar em casa é ameaçada pelo pai.
Imediatamente ela vai ao banheiro e corta seus longos cabelos ruivos. Há uma
nítida luta da personagem contra sua feminilidade em razão de suas circunstâncias.
Como “a coisa” se manifesta para ela? No banheiro onde seus cabelos recém
cortados a puxam e sangue jorra por todo o canto do cômodo.
Outro
ponto de destaque na trama é que todos os personagens adultos são desprovidos
de emoção. São passivos a tudo em seu retorno e quando exercem algum ato é de
repressão, deboche ou ataque às crianças. Nessa primeira parte essa colocação é
sutil mas tem seu propósito que, se levar em consideração o livro, haverá uma explicação
no segundo filme.[1]
Bill Skargarsd é um Pennwise assutador. |
Dirigido
com bastante esmero por Andy Muschietti que já havia feito um bom trabalho no
conto gótico moderno Mama, o filme consegue de fato se sustentar tanto nos
momentos juvenis (com paletas de clores mas claras quando os jovens estão
juntos) como nos de terror (com cores sombrias quando Pennwise aparece). No geral a cenografia acerta tanto na ambientação sombria como retrato de sua época.
O
roteiro habilmente poda alguns excessos tanto do livro como do telefilme e dá o
seu tempo para trabalhar na relação de seus personagens e na descoberta do
perigo que os cerca. Conforme mencionado acima, ele ainda deixa dicas, algumas
bastante sutis, para o que ainda está por vir.
O
elenco juvenil é ótimo, com uma grande química e realmente transparece a sensação
de camaradagem e afinidade essenciais para a proposta da obra. Coube a Bill
Skarsgard a tarefa de reinterpretar e reimaginar Pennwise. Imortalizando até
então no excelente trabalho de Tim Curry no telefilme, a interpretação do jovem
ator trouxe uma criatura ainda mais ameaçadora e cruel. Sua cena de maior
destaque é justamente a primeira onde a coisa tenta se manter simpática para
atrair a sua presa mas é nítida sua ansiedade para fazê-lo e sua quase perda de
controle. Solidifica-se portanto o personagem como um dos monstros mais
assustadores do Gênero.
A ambientação também funciona a favor da história. |
Dos
personagens o único problemático e que acaba prejudicando um pouco o resultado
final é o de Henry Bowers. Se no início ele era o típico machão da escola
oprimido em casa pelo pai e, que de certa forma serviu para unir os
personagens, no final ele acaba se destoando um pouco, com uma resolução um
pouco preguiçosa.[2]
Indo
além do terror e casando a ele elementos de aventura juvenil e dramáticos It – A coisa acerta na essência em que
sua obra original desejou trabalhar e resulta em um filme acima da média.
Servindo tanto como um excelente filme isolado como uma primeira parte de algo
maior o longa coloca Pennwise novamente no imaginário popular renovando sua
presença para quem já o conhecia e o apresentando para quem agora passou a conhecê-lo
e teme-lo.
Nota:
9,5
Ficha Técnica: It: A coisa
(IT, USA, 2017).
Gênero: Terror, aventura,
drama.
Direção: Andy Muschietti.
Elenco: Bill Skarsgard, Jaeden Lieberher, Jeremy Ray
Taylor, Sophia Lillis, Finn Wolfhard, Chosen Jacobs, Jack Dylan Grazer, Wyatt
Olef.
Duraçaõ: 136 min.
[1]
KING, Stephen, Dança Macabra, Rio de Janeiro: Objetiva. 2003, página 93
[2] KING, Stephen,
Dança Macabra, Rio de Janeiro: Objetiva. 2003, página 99
[3] Para
que a segunda parte justamente se passe nos dias atuais)
[4]
Nesse sentido reparar também no que diz o programa de televisão em toda vez que
ele aparece.
[5]
Ainda que traga um óbvio eco narrativo de um diálogo entre o personagem Mike e
seu avô.
PS: Para os “caçadores de referência á uma “homenagem ao antigo Pennwise: