segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Crítica Mãe!

Crítica: Mãe! (Mother!, Usa, 2017)

Por Marlon Fonseca


Nota: esse texto contém SPOILERS do filme


Quem acompanha o cinema de Darren Aronofsky já tem consciência que seus filmes possuem cargas metafóricas. Foi assim em Pi, Réquiem para um sonho, Fonte da Vida, Cisne Negro, O lutador, e até em, Noé, seu filme mais comercial. Mas é justamente em Mãe! Que o diretor chega ao seu ápice na utilização deste expediente.

Na trama, um casal encontra-se em uma distante casa no campo. Enquanto a jovem esposa está reconstruindo a residência após um incêndio, o marido, poeta e escritor, luta para criar uma nova obra. Porém, eles vão recebendo estranhas visitas que lhe tiram a paz.

Essa história porém é só uma casca. Na verdade o filme está eivado de elementos bíblicos (provavelmente frutos de estudos de seu filme anterior) e mensagens políticas e naturalistas.

Conforme costumamos destacar aos nossos leitores, a linguagem cinematográfica, é um conjunto complexo de signos e significados. A leitura de um filme, portanto, é atividade mais complexa do que se imagina. O espectador é exposto a toda sorte de signos e significados. “Ler” um filme é atividade muito mais complexa do que se espera. E o longa aqui tratado é um exemplo digno dessa afirmação.

Dentro dos estudos da comunicação aprende-se que para se interpretar uma mensagem, o receptor desta deve estar apto a decodifica-la.

E ai está a questão principal para compreender Mae!. Para entender suas metáforas o espectador deve ter um mínimo conhecimento de temas bíblicos e saber aplica-los nas cenas do filme. Só assim ele fará sentido.
Paraíso invadido

Há um flerte incisivo com o movimento expressionista alemão onde se procura mais o envolvimento intelectual, fantasioso, abstrato, subjetivista.

Sendo assim, traremos alguns exemplos de metáforas descobertas no longa:
-O poeta na verdade é ninguém mais ninguém menos do que Deus. E a sua esposa é a mãe natureza. A casa é o planeta.
-O personagem de Ed Harris é Adão. Na sequência que ele aparece no banheiro e há um corte em sua costela é o ato de criação da mulher. Eva (Michelle Pfeifer) aparece no dia seguinte. Seus “filhos” representam Caim e Abel, e isso fica claro quando um atenta a vida do outro.
-O cristal presente no escritório do “poeta” pode ter várias significações e uma delas é a do fruto proibido. Tanto Adão e Eva ficam encantados por ele mas a mulher parece mais obcecada. No fim eles quebram o objeto quando Eva e Adão entram escondidos no local e o pegam.
-Após a confusão com o primeiro grupo de pessoas, eles são expulsos de casa. Notem que lá fora está chovendo. É a representação do dilúvio bíblico.
-Tanto no primeiro grupo como no segundo a posição do poeta, ora Deus, é de encantamento com sua criação. Enquanto a natureza está sempre questionando o comportamento dos “convidados”, o criador sempre está complacente com as pessoas e tentando justificar as suas ações.
-Em vários momentos quando a jovem (natureza) chama a atenção de seus convidados eles debocham dela em um claro desrespeito a ela e a “casa”.
-Cada ato de destruição da casa é um ato da ação humana no planeta. Cada violência sofrida pela jovem tanto física como na invasão de seu espaço não é gratuita é para mostrar de fato a ação impecável e irresponsável do homem.
-Quando o filho do casal é devorado pelas pessoas, é a representação da crucificação de Jesus e do ato religioso de se comer “o corpo de Cristo”.

Esses exemplos acima são algumas das tantas metáforas e simbolismos que cercam o longa. Percebe-se que trata-se de uma obra muito mais complexa do que aparenta com um roteiro milimetricamente montado em torno delas.

As cenas muitas vezes chocantes, aflitivas e até mesmo grotescas não estão impostas de forma gratuitas. Elas servem como demonstração da ação irresponsável e cruel do homem sobre a sua “casa”.

Toda a violência que a protagonista sofre não é gratuita


Há ai um porém importante. O filme só funciona se devidamente interpretado à luz de seus simbolismos. Caso contrário, e principalmente, a partir de sua metade para o final, ele pode soar apenas como uma colagem de situações sem sentido. E isso é sim uma falha pois ele deveria funcionar para qualquer tipo de espectador. O fato de ter sido vendido comercialmente como um filme de terror e suspense (sim, existem elementos desses gêneros, mas estes não o definem por completo) só o prejudicou.

Portanto, não é à toa essa divisão de público e crítica que ele vem enfrentando. É resultado direto dos equívocos acima ilustrados.

O elenco está formidável. Jennifer Lawrence soube passar toda sorte de sofrimento que sua personagem passa. Desde a sensação de abandono por seu marido como de ter tido sua vida invadida chegando aos abusos físicos. E Javier Bardem toda a paixão e decepção pela sua criação.

Um criador que não entende a sua ccriatura

Mãe! É portanto um filme “difícil” seja pela sua interpretação ou pela forma cruel nas muitas vezes que apresenta seus significados. Mas se devidamente interpretado percebe-se uma obra inteligente montada em cima de uma mensagem crucial. Peca “apenas” por garantir-se demais nela e em seu subjetivismo, tornando-se abstrato demais para quem não foi alcançada por ela.

Nota: 9,0
Ficha Técnica:
Mãe! (Mother, Usa, 2017). Drama, Mistério,Fatasia, Terror.
Direção e Roteiro: Darren Aronofsky.
Elenco: Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeifer.
Duração:  121 min.


terça-feira, 12 de setembro de 2017

Crítica: Mario + Rabbids: Kingdom Battle

Sobre encanadores e coelhos

Por Marlon Fonseca


A Ubisoft conseguiu algo que toda produtora de jogos queria: contar com o plantel de Mario e amigos para a confecção de jogo. Para tanto ela os reuniu à serie dos amalucados coelhos loucos resultando nesse Mario + Rabbids.

Na história os coelhos surtados são acidentalmente transportados para o reino do cogumelo e alguns dissidentes (com incentivo de Bowser Jr.) acabam causando um caos no mundo do mario que une-se aos demais dentuços (metamorfoseados como personagens do universo da Nintendo) para trazer a paz novamente e mandar os visitantes para o local de onde vieram.

Mais inusitada do que essa reunião foi a escolha de estilo de jogo para ela. Trata-se de um jogo de combate entre turnos trazendo mecânicas, ainda que simplificadas, de RTS e RPG.

A curva de aprendizado é orgânica assim como a de dificuldade. Os movimentos e possibilidades que o jogo oferecem vão aparecendo pontualmente. A cada avanço o jogo se aprofunda. Novos itens, possibilidades de movimentos e personagens vão aparecendo.
As fases se dividem em batalhas normais, dominação de território batalhas entre subchefes e chefes e cada nova arena oferece mais variações de estratégias e avanços resultado de um level design inteligente e cuidadoso.

Além das batalhas que correspondem às fases da história existem caminhos nos mundos que revelam puzzles e desafios que, se vencidos, oferecem novas armas, itens, colecionáveis ou essenciais para o progresso do jogo. No mapa é comum encontrar o estrago e abagunça que os coelhos andam fazendo no universo do Mário, sempre com resultados divertidos.

O impacto da bagunça dos coelhos é sentido no cenário

A inteligência artificial dos inimigos é bem elaborada, o suficiente para que os combates sejam interessantes e desafiantes na medida certa. Cada classe e estilo exige uma estratégia ou arma diferenciada o que aumenta a densidade dos combates.

Caso encontre dificuldade o jogador pode escolher por um “easy mode” no início de cada batalha onde contará com 50% a mais de energia para o seu time.

O jogo oferece um arsenal decente sendo que cada personagem possui seus próprios tipos de armamentos. Existe, também, uma árvore de melhoras onde cada personagem vai desbloqueando novos movimentos e possibilidades de ataque, defesa, etc. E a cada avanço mais possibilidades vão se abrindo tanto em armas como em poderes.

Á medida que se progride mais opções aparecem


E esse, devemos destacar novamente, é o maior brilho do jogo. A cada passo possibilidades e novidades vão se abrindo o que mantém sempre o seu frescor.

Em um dado momento o jogador vai ser sentir obrigado a retornar em níveis anteriores para juntar moedas e aumentar e melhorar seu arsenal. Isso pode dar uma quebrada no ritmo mas visitar fases iniciais já evoluído torna esse expediente muito rápido.

O game apresenta um sistema cenário central na frente do castelo da princesa onde se pode percorrer pelo museu e observar os colecionáveis coletados, a sala de melhorias dentre outras surpresa.

A jogabilidade é muito boa e á medida que novos elementos vão aparecendo o jogo prontamente os explica. Até quem não é adepto do Gênero consegue jogá-lo. Mas apesar de simples de entender dominar tudo exige tempo e dedicação do jogador, pois as possibilidades são inúmeras.

O jogo traz batalhas interessantes e muito bom humor


Os gráficos são lindos tanto nos cenários momo nas animações e movimentos dos personagens. As animações em CG também estão belíssimas além d hilárias. Dá até para dizer que temos graficamente o mais belo jogo do universo Mario. Os personagens nunca estiveram tão vivos.

Aa trilha sonora é bastante simpática e casa bem com a proposta do jogo, assim como os efeitos sonoros.

Apesar da campanha longa, por volta de umas 20 horas para poder explorar os 4 mundos e as muitas fases e subfases, não existem mais modos de jogo além da possibilidade co-op local e a coleta de colecionáveis pelo cenário.

Evoluir os personagens e adquirir novos armamentos é fundamental.


E é justamente aí o maior defeito de Mario + Rabbids. Ele pede, clama por um multiplayer. Esse modo sem dúvidas traria um público maior e traria uma sobrevida importante e merecida ao jogo.

Apesar e ter pego todo mundo de surpresa e trazer uma parceria até então impensada em um estilo improvável para os personagens, Mario + Rabbids demonstrou-se um grande acerto por parte da Ubisoft e Nintendo. Ele garante diversão, desafio e diversificação ao longo da sua campanha. Uma pena apenas que após ela o que resta é aguardar uma já bem-vinda continuação.


Nota: 8,5

Ficha técnica:

 Maro + Rabbids: Kingdom Battle

Console: Nintendo Switch

Produtora(s): Ubisoft, Nintendo.

Gênero: Ação, estratégia, RPG.




sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Crítica: It: A coisa

Crítica: It: A coisa (IT, USA, 2017) 

Por Marlon Fonseca



Em sua obra Dança Macabra Stephen King destrincha o Gênero do terror e faz a seguinte observação: “o filme de terror aponta ainda mais para dentro, procurando aqueles medos enraizados – aqueles pontos de pressão- com os quais todos temos que aprender a lidar[1]

O terror em si trabalha com a linguagem para atingir o espectador e causar-lhe medo. Seja da morte, do escuro, de perder o controle (filmes de possessão trabalham bastante isso) ou qualquer outro tipo de pavor e fobia, o terror “brinca” com esses sentimentos todo o tempo.

King também destaca ainda na mesma obra a questão de o gênero conter subtextos, trabalhando com sensações e sentimentos além do que se enxerga de imediato, é o “falar nas entrelinhas”.

“Se você é um verdadeiro fã do horror, acaba desenvolvendo a mesma sofisticação que um apreciador de balé desenvolve – cria uma sensibilidade para a profundidade a e textura desse gênero”, destaca o autor[2]

E em IT, uma de suas grandes obras, podemos enxergar justamente esses dois aspectos.

No sentido do medo é algo extremamente declarado. O principal obviamente é a Coulrofobia, o medo patológico de palhaços. Há também o medo do sobrenatural,e outros pessoais, todos reunidos na figura de Pennywise.

Trauma de infância e aventura juvenil além do terror.


Já o subtexto da trama, e ai devemos pegar a obra como um todo, em suas duas partes ou fases, é a questão do trauma da infância que reflete na vida adulta, nos molda e que somente quando superado de fato se alcança a redenção.

Tanto livro como o telefilme da década de 90 trabalharam essas questões e justamente sempre foram citadas como grandes obras do gênero. Durante anos rondou o projeto da adaptação cinematográfica de IT e depois de muitas indas e vindas, enfim sua primeira parte foi lançada.

A trama segue de perto o original. Após um evento fatídico (e ai o filme já começa com “soco no estômago” do espectador) o jovem Bill e seus antigos e novos amigos começam a investigar desaparecimentos na cidade e descobrem que há algo muito maligno por trás deles.

Ambientando no final da década de 80[3], o filme já acerta em sua estrutura. Ele lembra muito produções da época como Goonies, Conta Comigo e produções recentes que recapturaram esse espírito como Super 8 e o seriado Stranger Things.

O perigo que Pennwise representa aumenta a cada momento.


Há aqui um aspecto de aventura e drama juvenil que aprofunda a obra e ajuda nas questões retratados no começo desse texto.

Esse cuidado ao trazer e cuidar da relação das crianças traz uma maior proximidade e afinidade para o público para com elas o que acaba fazendo com que o espectador tema ainda mais por suas vidas.

Até por que IT ainda é um filme de terror. Dos melhores já produzidos principalmente por tratar de temas tão delicados e por colocar crianças e pré-adolescentes em perigo real.

Pennwise se alimenta de medos, não somente o de palhaços, e suas aparições se adequam ao pavor de cada receptor de seus ataques. Uma delas é um exemplo belíssimo no uso de metáfora que a linguagem cinematográfica pode trazer. A personagem Beverly acaba de passar pela sua menstruação e ao chegar em casa é ameaçada pelo pai. Imediatamente ela vai ao banheiro e corta seus longos cabelos ruivos. Há uma nítida luta da personagem contra sua feminilidade em razão de suas circunstâncias. Como “a coisa” se manifesta para ela? No banheiro onde seus cabelos recém cortados a puxam e sangue jorra por todo o canto do cômodo.

Outro ponto de destaque na trama é que todos os personagens adultos são desprovidos de emoção. São passivos a tudo em seu retorno e quando exercem algum ato é de repressão, deboche ou ataque às crianças. Nessa primeira parte essa colocação é sutil mas tem seu propósito que, se levar em consideração o livro, haverá uma explicação no segundo filme.[1]

Bill Skargarsd  é um Pennwise assutador.


Dirigido com bastante esmero por Andy Muschietti que já havia feito um bom trabalho no conto gótico moderno Mama, o filme consegue de fato se sustentar tanto nos momentos juvenis (com paletas de clores mas claras quando os jovens estão juntos) como nos de terror (com cores sombrias quando Pennwise aparece). No geral a cenografia acerta tanto na ambientação sombria como retrato de sua época.

O roteiro habilmente poda alguns excessos tanto do livro como do telefilme e dá o seu tempo para trabalhar na relação de seus personagens e na descoberta do perigo que os cerca. Conforme mencionado acima, ele ainda deixa dicas, algumas bastante sutis, para o que ainda está por vir.

O elenco juvenil é ótimo, com uma grande química e realmente transparece a sensação de camaradagem e afinidade essenciais para a proposta da obra. Coube a Bill Skarsgard a tarefa de reinterpretar e reimaginar Pennwise. Imortalizando até então no excelente trabalho de Tim Curry no telefilme, a interpretação do jovem ator trouxe uma criatura ainda mais ameaçadora e cruel. Sua cena de maior destaque é justamente a primeira onde a coisa tenta se manter simpática para atrair a sua presa mas é nítida sua ansiedade para fazê-lo e sua quase perda de controle. Solidifica-se portanto o personagem como um dos monstros mais assustadores do Gênero.

A ambientação também funciona a favor da história.


Dos personagens o único problemático e que acaba prejudicando um pouco o resultado final é o de Henry Bowers. Se no início ele era o típico machão da escola oprimido em casa pelo pai e, que de certa forma serviu para unir os personagens, no final ele acaba se destoando um pouco, com uma resolução um pouco preguiçosa.[2]

Indo além do terror e casando a ele elementos de aventura juvenil e dramáticos It – A coisa acerta na essência em que sua obra original desejou trabalhar e resulta em um filme acima da média. Servindo tanto como um excelente filme isolado como uma primeira parte de algo maior o longa coloca Pennwise novamente no imaginário popular renovando sua presença para quem já o conhecia e o apresentando para quem agora passou a conhecê-lo e teme-lo.


Nota: 9,5
Ficha Técnica: It: A coisa (IT, USA, 2017).
Gênero: Terror, aventura, drama.
Direção: Andy Muschietti.
Elenco: Bill Skarsgard, Jaeden Lieberher, Jeremy Ray Taylor, Sophia Lillis, Finn Wolfhard, Chosen Jacobs, Jack Dylan Grazer, Wyatt Olef.
Duraçaõ: 136 min.



[1] KING, Stephen, Dança Macabra, Rio de Janeiro: Objetiva. 2003, página 93
[2] KING, Stephen, Dança Macabra, Rio de Janeiro: Objetiva. 2003, página 99

[3] Para que a segunda parte justamente se passe nos dias atuais)
[4] Nesse sentido reparar também no que diz o programa de televisão em toda vez que ele aparece.
[5] Ainda que traga um óbvio eco narrativo de um diálogo entre o personagem Mike e seu avô.





PS: Para os “caçadores de referência á uma “homenagem ao antigo Pennwise:

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Crítica: Bingo: o rei das manhãs

Crítica: Bingo: O rei das manhãs (Brasil, 2017)

Por Marlon Fonseca


Um homem vai ao médico, diz que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto.
O médico diz: "O tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade, assista ao espetáculo. Isso deve animá-lo."

O homem se desfaz em lágrimas. E diz: "Mas, doutor... Eu sou o Pagliacci." (Alan moore, Watchmen)

A frase acima tornou-se uma alegoria conhecida em retratar algo infelizmente comum. A dor e a amargura por parte de pessoas que transmitem alegria. Não é incomum por trás de um sorriso e uma máscara esconder-se uma alma amargurada. O Brasil teve uma história rica nesse sentido na pele de Arlindo Barreto, o primeiro Bozo da televisão, personagem famoso da década de 80 e que marcou toda uma geração de crianças.

Em Bingo: o rei das manhãs, o Diretor Daniel Rezende (montador de Cidade de Deus, Tropa de Elite 1 e 2, dentre outros, estreando na direção) e o roteirista Luiz Bolognesi retratam a conturbada vida de Arlindo, aqui nomeado Augusto Mendes, e ainda trazem um pouco dos bastidores da televisão (com situações surpreendentemente ainda atuais) e todo um retrato da década.

Deve-se esclarecer que os próprios responsáveis pelo filme apontam que não se trata de um retrato fiel, uma biografia apurada de Arlindo. Situações e alguns personagens sofreram liberdades criativas.

No filme acompanhamos a ascensão de Augusto e seu personagem enquanto em paralelo destrinchamos seu relacionamento com filho, mãe e a produtora de seu show. Retrata sua luta em enfim alcançar um sucesso mas ainda permanecer um desconhecido e estilo de vida desregrado e perigoso que o levaram à derrocada.

Um retrato de uma vida e épocas de cores e exageros


O roteiro consegue oscilar bem entre a comédia e o drama e trabalhar bem as facetas e nuances do protagonista. Fica bastante claro o que lhe atormentava, motivava. Trazer um retrato da época de forma indireta enriqueceu o longa.  Após assistir ao filme não consegue-se imaginar outro personagem da nossa cultura pop como seu retrato. E a sequência em que ele traz ao seu programa uma ainda então novata Gretchen (Emanuelle Araújo) é o exemplo mor disso.

A única questão verdadeiramente negativa é o final que soa bastante abrupto, enfraquecendo justamente a redenção do personagem e diminuindo o impacto de sua história.

Dentre os relacionamentos que gravitam em torno do augusto três merecem maior destaque. O com seu filho (Cauã Martins), que segundo o próprio Arlindo, foi essencial para sua recuperação. E com Lúcia (Leandra Leal), pessoas tão diferentes em suas visões profissionais e de vida que no final acabaram se completando. Já com sua mãe (Ana Lúcia torre), uma diva da televisão resulta em momentos lindos.[1]

O ritmo do filme é digno de um diretor habituado com o trabalho com montagem.  Ele te prende atenção do início ao fim, prejudicado apenas pelo final apressado acima mencionado.
Augusto e Lúcia: opostos que se completam.


Outro fato que merece destaque e apreço é a reprodução impecável da época. Trejeitos, gírias, trilha sonora, objetos de cena, figurino, até efeitos especiais para deixar o Rio de Janeiro com a cara da década 80 o filme traz.

Mas o coração mesmo do filme é atuação visceral de Vladimir Brichta. Quem o acompanha em teatro principalmente já sabia que ele era plenamente capaz de segurar o projeto. Mas ele consegue ir além e entrega uma composição minuciosa em todas as facetas que Augusto e Bingo apresentam.

Há um momento que, pelas circunstâncias, temo um misto de homenagem e emoção ao trazer o recente falecido Domingos Montagner, que já havia trabalhado como palhaço, como uma espécie de mentor e consultor.

Retrato competente de uma geração colorida, de exageros e pouco freio, Bingo: o rei das manhãs é um filme competente que consegue rir e emocionar nas mesmas proporções. Peca apenas em encerar sua história de forma acelerada contrapondo com todo o cuidado que até então estava apresentando.

            Nota 9,0


Ficha Técnica: 
Bingo: O rei das manhãs (Brasil, 2017).
Drama, comédia, biografia.
Direção: Daniel Rezende.
Elenco: Vladimir Brichta, Leandra Leal, Emanuelle Araújo, Cauã Martins
Duração: 113 min.









[1] E em uma cena específica notem o uso sutil da linguagem cinematográfica. Quando a personagem descobre que até então seu papel de condessa em uma novela foi tomada por outra ela chora. Ao sair de cena ela apaga a luz que iluminava o seu quadro. Ali, o filme mostra que a personagem naquele momento perdeu seu brilho e sua vontade de viver.