Crítica:
Mãe! (Mother!, Usa, 2017)
Por
Marlon Fonseca
Nota:
esse texto contém SPOILERS do filme
Quem
acompanha o cinema de Darren Aronofsky já tem consciência que seus filmes
possuem cargas metafóricas. Foi assim em Pi,
Réquiem para um sonho, Fonte da Vida,
Cisne Negro, O lutador, e até em, Noé,
seu filme mais comercial. Mas é justamente em Mãe! Que o diretor chega ao seu
ápice na utilização deste expediente.
Na
trama, um casal encontra-se em uma distante casa no campo. Enquanto a jovem
esposa está reconstruindo a residência após um incêndio, o marido, poeta e
escritor, luta para criar uma nova obra. Porém, eles vão recebendo estranhas
visitas que lhe tiram a paz.
Essa
história porém é só uma casca. Na verdade o filme está eivado de elementos
bíblicos (provavelmente frutos de estudos de seu filme anterior) e mensagens
políticas e naturalistas.
Conforme
costumamos destacar aos nossos leitores, a linguagem cinematográfica, é um
conjunto complexo de signos e significados. A leitura de um filme, portanto, é
atividade mais complexa do que se imagina. O espectador é exposto a toda sorte
de signos e significados. “Ler” um filme é atividade muito mais complexa do que
se espera. E o longa aqui tratado é um exemplo digno dessa afirmação.
Dentro
dos estudos da comunicação aprende-se que para se interpretar uma mensagem, o
receptor desta deve estar apto a decodifica-la.
E
ai está a questão principal para compreender Mae!. Para entender suas metáforas
o espectador deve ter um mínimo conhecimento de temas bíblicos e saber
aplica-los nas cenas do filme. Só assim ele fará sentido.
Paraíso invadido |
Há
um flerte incisivo com o movimento expressionista alemão onde se procura mais o
envolvimento intelectual, fantasioso, abstrato, subjetivista.
Sendo
assim, traremos alguns exemplos de metáforas descobertas no longa:
-O
poeta na verdade é ninguém mais ninguém menos do que Deus. E a sua esposa é a
mãe natureza. A casa é o planeta.
-O
personagem de Ed Harris é Adão. Na sequência que ele aparece no banheiro e há
um corte em sua costela é o ato de criação da mulher. Eva (Michelle Pfeifer)
aparece no dia seguinte. Seus “filhos” representam Caim e Abel, e isso fica
claro quando um atenta a vida do outro.
-O
cristal presente no escritório do “poeta” pode ter várias significações e uma
delas é a do fruto proibido. Tanto Adão e Eva ficam encantados por ele mas a
mulher parece mais obcecada. No fim eles quebram o objeto quando Eva e Adão
entram escondidos no local e o pegam.
-Após
a confusão com o primeiro grupo de pessoas, eles são expulsos de casa. Notem
que lá fora está chovendo. É a representação do dilúvio bíblico.
-Tanto
no primeiro grupo como no segundo a posição do poeta, ora Deus, é de
encantamento com sua criação. Enquanto a natureza está sempre questionando o
comportamento dos “convidados”, o criador sempre está complacente com as
pessoas e tentando justificar as suas ações.
-Em
vários momentos quando a jovem (natureza) chama a atenção de seus convidados
eles debocham dela em um claro desrespeito a ela e a “casa”.
-Cada
ato de destruição da casa é um ato da ação humana no planeta. Cada violência
sofrida pela jovem tanto física como na invasão de seu espaço não é gratuita é
para mostrar de fato a ação impecável e irresponsável do homem.
-Quando
o filho do casal é devorado pelas pessoas, é a representação da crucificação de
Jesus e do ato religioso de se comer “o corpo de Cristo”.
Esses
exemplos acima são algumas das tantas metáforas e simbolismos que cercam o
longa. Percebe-se que trata-se de uma obra muito mais complexa do que aparenta
com um roteiro milimetricamente montado em torno delas.
As
cenas muitas vezes chocantes, aflitivas e até mesmo grotescas não estão
impostas de forma gratuitas. Elas servem como demonstração da ação
irresponsável e cruel do homem sobre a sua “casa”.
Toda a violência que a protagonista sofre não é gratuita |
Há
ai um porém importante. O filme só funciona se devidamente interpretado à luz
de seus simbolismos. Caso contrário, e principalmente, a partir de sua metade
para o final, ele pode soar apenas como uma colagem de situações sem sentido. E
isso é sim uma falha pois ele deveria funcionar para qualquer tipo de espectador.
O fato de ter sido vendido comercialmente como um filme de terror e suspense
(sim, existem elementos desses gêneros, mas estes não o definem por completo)
só o prejudicou.
Portanto,
não é à toa essa divisão de público e crítica que ele vem enfrentando. É
resultado direto dos equívocos acima ilustrados.
O
elenco está formidável. Jennifer Lawrence soube passar toda sorte de sofrimento
que sua personagem passa. Desde a sensação de abandono por seu marido como de
ter tido sua vida invadida chegando aos abusos físicos. E Javier Bardem toda a
paixão e decepção pela sua criação.
Um criador que não entende a sua ccriatura |
Mãe!
É portanto um filme “difícil” seja pela sua interpretação ou pela forma cruel
nas muitas vezes que apresenta seus significados. Mas se devidamente
interpretado percebe-se uma obra inteligente montada em cima de uma mensagem
crucial. Peca “apenas” por garantir-se demais nela e em seu subjetivismo,
tornando-se abstrato demais para quem não foi alcançada por ela.
Nota: 9,0
Ficha
Técnica:
Mãe!
(Mother, Usa, 2017). Drama, Mistério,Fatasia, Terror.
Direção
e Roteiro: Darren Aronofsky.
Elenco: Jennifer Lawrence, Javier
Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeifer.
Duração: 121 min.
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