Dissecando
#1 – Batman: O Cavaleiro das Trevas
Por Marlon Fonseca
Passados nove anos da estreia de Batman – O Cavaleiro das Trevas nos cinemas, fica hoje
mais fácil de avaliar friamente a obra que figura com extrema justiça em várias
listas de filmes mais importantes dos últimos tempos.
Ainda
na divulgação de seu longa, o diretor Christopher Nolan esclareceu a sua
inspiração em Fogo Contra Fogo. Quem
conhece a obra de Michael Mann consegue de fato vislumbrar ecos estruturais em
ambos. Temos, assim uma historia de dois homens que transitam e defendem lados
opostos, e á medida que vamos conhecendo seus dilemas melhor e o inevitável
confronto entre eles está para acontecer, todos ao seu redor são gravemente
afetados.
Primeiramente
na figura do Batman que, pela primeira vez em sua jornada, começa a acreditar
que está colocando Gotham City em ordem. Christian Bale volta ainda melhor ao
papel sabendo definitivamente esmiuçar as nuances e complexidades estabelecidas
ao protagonista.
E
justamente nesse momento, surge um agente do caos e da anarquia, vestido de
palhaço, uma força da natureza que “só quer ver o circo pegar fogo” (define
Alfred do excelente Michael Caine em um dos muitos fantásticos diálogos que o
roteiro apresenta). A atuação de Heath Ledger está entre uma das maiores que o
cinema já presenciou. Uma composição minuciosa, complexa que enfoca todos os
elementos possíveis como o gestual (o personagem possuir uma postura sempre
torta para externar o seu desequilíbrio mental), no passar de língua em sua
cicatrizes, na voz e na risada que faz gelar qualquer coração.
A ordem e o caos: duas faces de uma mesma moeda |
Os
dois são ao mesmo tempo representantes de ordem e caos respectivamente, dois
lados de uma mesma moeda que ao mesmo tempo se antagonizam e se completam. Há uma relação simbiótica onde um precisa do outro necessariamente para existir.
O roteiro
demonstra isso o tempo todo implicitamente e em dois momentos de forma
explicita: o interrogatório na delegacia e no dialogo final entre ambos no
ultimo ato (aqui temos vislumbre da brilhante HQ piada mortal).
Por
falar em dois lados e moedas, no meio desse embate temos a figura de Harvey
Dent (Aron Eckhardt em uma atuação segura) que nada mais é que uma peça nessa
disputa entre Batman e Coringa. Para o primeiro, ele representa a esperança de
uma cidade melhor, o “cavaleiro branco que Gotham precisa”, um tipo de justiça
legalizada, diferente do apresentado pelo vigilante mascarado. Já para o
segundo, ele é a possibilidade de mostrar seu ponto de vista que todos se
corrompem em algum momento de pressão (outra essência clara de A piada Mortal).
Fonte de inspiração: A piada mortal é o relacionamento simbiótico entre Batman e Coringa |
O
resultado não poderia ser outro e Dent transforma-se em Duas Caras, a
personificação desses pontos de vista antagônicos trabalhados no filme e a
representação do conflito entre o bem e o mal que todos vivem diariamente.
No fogo cruzado, Duas-Caras é a personificação do conflito entre o bem e o mal |
Além
dele, Rachel Dawyes (Maggie Gallenhal que rouba para si o papel que antes foi
de Katie Holmes e o aprofundou ainda mais) e o Comissário Gordon (mais um
trabalho excepcional de Gary Oldman) também são afetados no meio desse embate
.
Soma-se
a isso e temos um verdadeiro tratado sobre policiamento, aqui em sua definição
ampla. Seja na discussão sobre a melhor forma de se buscar e realizar justiça,
vivida pelo quarteto Batman-Gordon-Dent-Rachel como também na questão, ainda
delicada pós-11 de Setembro, sobre a vigilância e seus limites na subtrama encabeçada
por Lucius Fux (Morgan Freeman).
Abordagem complexa sobre a questão de justiça e policiamento |
Com
essas e outras peças na mesa, o filme se desenvolve dentro de uma estrutura de
thriller policial, que aos poucos vai apresentando e montado o jogo com um
roteiro extremamente inteligente e com a montagem que o acompanha e mantem o
ritmo do filme.
Para
embalar toda história, a trilha sonora orquestrada de Hans Zimmer a transforma
em uma verdadeira ópera trágica.
A
direção de Nolan mantém ao máximo possível a historia no plano da realidade e a
opção em usar efeitos praticas mesmo em sequencias dificílimas como o capotar
de um caminhão e a explosão de um hospital (que resultou numa improvisação
sensacional de Ledger) qualificam ainda mais a obra.
O homem por trás das câmeras: Nolan soube trazer temas e subtemas complexas sob a ótica de personagens icônicos |
Assim,
temos em Batman – O Cavaleiro das trevas um filme bem dirigido, roteirizado,
montado, interpretado que travestido de trama policial esmiúça a natureza
humana através da utilização de personagens icônicos da cultura pop mundial.