segunda-feira, 2 de abril de 2012

...CINEMA. opiniões # 20 Heleno


...CINEMA
Opiniões #20 – Heleno (Brasil, 2012).
Por Marlon Fonseca



            O cinema sempre flertou com histórias trágicas, principalmente de figuras reais. A história de Heleno de Freitas, talentoso e dramático personagem da crônica esportiva e social brasileira resultou em mais um excelente exemplo de cinebiografia dramática.

            Heleno, natural de São João de Nepumuceno, Minas Gerais, advogado formado, preferiu abraçar a vida de jogador de futebol e viver, com extrema intensidade, os sabores e dissabores da carreira. O filme foca sua carreira e vida, que terminaram de forma trágica e melancólica.

            Antes do fim indigno, Heleno viveu uma vida intensa no glamouroso Rio de Janeiro da década de 40. Não se tratava apenas de um craque em campo. Era igualmente habilidoso no galanteio e lábia com as mulheres e no uso de brilhantes frases de efeito com a imprensa. Mas era também vaidoso, arrogante, impetuoso, difícil de lidar. Que o digam seus companheiros de Botafogo que eram vistos e tratados habitualmente pelo craque como “pernas de pau”. Fumante obsessivo, ébrio contumaz e viciado em ‘lança- perfume” e éter, pagou com a vida pelos seus excessos.

            O filme esbanja qualidade técnica. Começando pelo roteiro repleto de diálogos inspiradíssimos e que equilibrou de forma correta toda a faceta de Heleno. Também se atesta que não há o perigoso apego excessivo á pessoa do biografado. Todos os prós e contras são expostos ao longo do filme sem tentativa de explicar o porquê de seus atos. Assim era Heleno. Ponto.

            Outro destaque ainda a ser observado no quesito roteiro e montagem é que não há, propositalmente, uma estrutura narrativa linear. O filme segue mostrando momentos entrecortados da vida do jogador e boêmio personagem alternando entre sua fase final e outros momentos de sua vida. Tal expediente vem se mostrando comum em filmes biográficos.[1]

            A fotografia em preto e branco de Walter de Carvalho é deslumbrante. A reprodução do Rio e Janeiro da época é bastante apurada. Direção de arte, figurinos e trilha sonora dão o clima da cidade das décadas de 40 e 50.

            Não há também como falar do filme sem contar a atuação visceral de Rodrigo Santoro. Seu talento já é reconhecido por todos, mas aqui ele entrega a atuação da sua vida. Sua entrega ao personagem, inclusive, é física, pois teve que emagrecer 15 quilos para viver a fase final do personagem. O filme é dele sem dúvidas, mas fica a nota da evolução de Alinne Moraes em uma interpretação correta como a esposa de Heleno. A competente maquiagem também ajuda com a composição de Santoro.[2]

            Embora poucas, as cenas de futebol estão entre as mais belas já filmadas. Além da já citada fotografia, a câmera lenta e a ópera ao fundo transformam o esporte em algo lírico.

Uma vida conturbada, intensa, porém, irônica tinha Heleno. Seus companheiros, os tais “pernas de pau”, só conseguiram ser campeões após a sua saída. Ele, por sua vez, só conquistou um título afastado do clube que dizia ser apaixonado e logo por um dos maiores rivais e algozes dele, o Vasco do Gama. Ironia esta que destaca o próprio personagem com o habitual desdém “Quem diria. Vou ser campeão pelo Vasco”, disse ele.[3]

Assim foi Heleno. Genial e genioso. Intenso, irresponsável e trágico. A vida não lhe deu tempo para redenção. Morreu aos 39 anos louco, doente, solitário em conseqüências de seus hábitos nocivos. Assim é sua cinebiografia. Um filme excelente, bem realizado, uma lição de vida. Heleno não conseguiu conquistar uma Copa pelo Brasil, mas quem sabe seu filme não conquiste o inédito Oscar de filme estrangeiro? Seria, enfim, a sua redenção, além da coroação do brilhante Cinema Nacional e desse belíssimo exemplo de qualidade e talento de nossos cineastas.

Cotação:  (5/5 - EXCELENTE)

Ficha técnica: Heleno (Brasil, 2012). Drama. Direção: José Henrique Fonseca. Elenco: Rodrigo Santoro, Alinne Moraes, othon bastos, Herson Capri, Angie Cepada. Duração: 116 min.



[1]  “J.Edgar” e  “A Dama de Ferro” já opinados aqui  também usaram a narrativa dessa forma. (http://blogdofalandode.blogspot.com.br/2012/02/opinioes-05-j-edgar.html e http://blogdofalandode.blogspot.com.br/2012/02/cinema-opinioes-11-dama-de-ferro.html
[2] Reparem nos dentes dele ao longo do filme.
[3] A ironia fica ainda maior ao saber que Santoro é torcedor fanático e sócio do Vasco.