...CINEMA
Opiniões #20 – Heleno (Brasil, 2012).
Por Marlon Fonseca
O
cinema sempre flertou com histórias trágicas, principalmente de figuras reais.
A história de Heleno de Freitas, talentoso e dramático personagem da crônica
esportiva e social brasileira resultou em mais um excelente exemplo de
cinebiografia dramática.
Heleno,
natural de São João de Nepumuceno, Minas Gerais, advogado formado, preferiu
abraçar a vida de jogador de futebol e viver, com extrema intensidade, os
sabores e dissabores da carreira. O filme foca sua carreira e vida, que
terminaram de forma trágica e melancólica.
Antes
do fim indigno, Heleno viveu uma vida intensa no glamouroso Rio de Janeiro da
década de 40. Não se tratava apenas de um craque em campo. Era igualmente
habilidoso no galanteio e lábia com as mulheres e no uso de brilhantes frases
de efeito com a imprensa. Mas era também vaidoso, arrogante, impetuoso, difícil
de lidar. Que o digam seus companheiros de Botafogo que eram vistos e tratados
habitualmente pelo craque como “pernas de pau”. Fumante obsessivo, ébrio
contumaz e viciado em ‘lança- perfume” e éter, pagou com a vida pelos seus
excessos.
O
filme esbanja qualidade técnica. Começando pelo roteiro repleto de diálogos
inspiradíssimos e que equilibrou de forma correta toda a faceta de Heleno.
Também se atesta que não há o perigoso apego excessivo á pessoa do biografado.
Todos os prós e contras são expostos ao longo do filme sem tentativa de
explicar o porquê de seus atos. Assim era Heleno. Ponto.
Outro
destaque ainda a ser observado no quesito roteiro e montagem é que não há, propositalmente,
uma estrutura narrativa linear. O filme segue mostrando momentos entrecortados
da vida do jogador e boêmio personagem alternando entre sua fase final e outros
momentos de sua vida. Tal expediente vem se mostrando comum em filmes
biográficos.[1]
A
fotografia em preto e branco de Walter de Carvalho é deslumbrante. A reprodução
do Rio e Janeiro da época é bastante apurada. Direção de arte, figurinos e
trilha sonora dão o clima da cidade das décadas de 40 e 50.
Não
há também como falar do filme sem contar a atuação visceral de Rodrigo Santoro.
Seu talento já é reconhecido por todos, mas aqui ele entrega a atuação da sua
vida. Sua entrega ao personagem, inclusive, é física, pois teve que emagrecer
15 quilos para viver a fase final do personagem. O filme é dele sem dúvidas,
mas fica a nota da evolução de Alinne Moraes em uma interpretação correta como
a esposa de Heleno. A competente maquiagem também ajuda com a composição de
Santoro.[2]
Embora
poucas, as cenas de futebol estão entre as mais belas já filmadas. Além da já
citada fotografia, a câmera lenta e a ópera ao fundo transformam o esporte em
algo lírico.
Uma vida conturbada,
intensa, porém, irônica tinha Heleno. Seus companheiros, os tais “pernas de
pau”, só conseguiram ser campeões após a sua saída. Ele, por sua vez, só
conquistou um título afastado do clube que dizia ser apaixonado e logo por um
dos maiores rivais e algozes dele, o Vasco do Gama. Ironia esta que destaca o
próprio personagem com o habitual desdém “Quem diria. Vou ser campeão pelo
Vasco”, disse ele.[3]
Assim foi
Heleno. Genial e genioso. Intenso, irresponsável e trágico. A vida não lhe deu
tempo para redenção. Morreu aos 39 anos louco, doente, solitário em conseqüências
de seus hábitos nocivos. Assim é sua cinebiografia. Um filme excelente, bem
realizado, uma lição de vida. Heleno não conseguiu conquistar uma Copa pelo
Brasil, mas quem sabe seu filme não conquiste o inédito Oscar de filme
estrangeiro? Seria, enfim, a sua redenção, além da coroação do brilhante Cinema
Nacional e desse belíssimo exemplo de qualidade e talento de nossos cineastas.
Cotação: (5/5 - EXCELENTE)
Ficha técnica: Heleno
(Brasil, 2012). Drama. Direção: José Henrique Fonseca. Elenco: Rodrigo Santoro,
Alinne Moraes, othon bastos, Herson Capri, Angie Cepada. Duração: 116 min.
[1] “J.Edgar” e
“A Dama de Ferro” já opinados aqui
também usaram a narrativa dessa forma. (http://blogdofalandode.blogspot.com.br/2012/02/opinioes-05-j-edgar.html
e http://blogdofalandode.blogspot.com.br/2012/02/cinema-opinioes-11-dama-de-ferro.html
[2] Reparem
nos dentes dele ao longo do filme.
[3] A ironia
fica ainda maior ao saber que Santoro é torcedor fanático e sócio do Vasco.