Crítica:
Bingo: O rei das manhãs (Brasil, 2017)
Por Marlon Fonseca
Por Marlon Fonseca
“Um homem
vai ao médico, diz que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel.
Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e
incerto.
O médico diz: "O tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade, assista ao espetáculo. Isso deve animá-lo."
O homem se desfaz em lágrimas. E diz: "Mas, doutor... Eu sou o Pagliacci." (Alan moore, Watchmen)
O médico diz: "O tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade, assista ao espetáculo. Isso deve animá-lo."
O homem se desfaz em lágrimas. E diz: "Mas, doutor... Eu sou o Pagliacci." (Alan moore, Watchmen)
A frase acima tornou-se uma alegoria
conhecida em retratar algo infelizmente comum. A dor e a amargura por parte de
pessoas que transmitem alegria. Não é incomum por trás de um sorriso e uma
máscara esconder-se uma alma amargurada. O Brasil teve uma história rica nesse
sentido na pele de Arlindo Barreto, o primeiro Bozo da televisão, personagem
famoso da década de 80 e que marcou toda uma geração de crianças.
Em Bingo:
o rei das manhãs, o Diretor Daniel Rezende (montador de Cidade de Deus,
Tropa de Elite 1 e 2, dentre outros, estreando na direção) e o roteirista Luiz
Bolognesi retratam a conturbada vida de Arlindo, aqui nomeado Augusto Mendes, e
ainda trazem um pouco dos bastidores da televisão (com situações
surpreendentemente ainda atuais) e todo um retrato da década.
Deve-se esclarecer que os próprios
responsáveis pelo filme apontam que não se trata de um retrato fiel, uma
biografia apurada de Arlindo. Situações e alguns personagens sofreram
liberdades criativas.
No filme acompanhamos a ascensão de Augusto e
seu personagem enquanto em paralelo destrinchamos seu relacionamento com filho,
mãe e a produtora de seu show. Retrata sua luta em enfim alcançar um sucesso
mas ainda permanecer um desconhecido e estilo de vida desregrado e perigoso que
o levaram à derrocada.
Um retrato de uma vida e épocas de cores e exageros |
O
roteiro consegue oscilar bem entre a comédia e o drama e trabalhar bem as
facetas e nuances do protagonista. Fica bastante claro o que lhe atormentava,
motivava. Trazer um retrato da época de forma indireta enriqueceu o longa. Após assistir ao filme não consegue-se
imaginar outro personagem da nossa cultura pop como seu retrato. E a sequência
em que ele traz ao seu programa uma ainda então novata Gretchen (Emanuelle
Araújo) é o exemplo mor disso.
A
única questão verdadeiramente negativa é o final que soa bastante abrupto, enfraquecendo
justamente a redenção do personagem e diminuindo o impacto de sua história.
Dentre
os relacionamentos que gravitam em torno do augusto três merecem maior
destaque. O com seu filho (Cauã Martins), que segundo o próprio Arlindo, foi
essencial para sua recuperação. E com Lúcia (Leandra Leal), pessoas tão diferentes
em suas visões profissionais e de vida que no final acabaram se completando. Já
com sua mãe (Ana Lúcia torre), uma diva da televisão resulta em momentos
lindos.[1]
O
ritmo do filme é digno de um diretor habituado com o trabalho com
montagem. Ele te prende atenção do
início ao fim, prejudicado apenas pelo final apressado acima mencionado.
Augusto e Lúcia: opostos que se completam. |
Outro
fato que merece destaque e apreço é a reprodução impecável da época. Trejeitos,
gírias, trilha sonora, objetos de cena, figurino, até efeitos especiais para deixar
o Rio de Janeiro com a cara da década 80 o filme traz.
Mas
o coração mesmo do filme é atuação visceral de Vladimir Brichta. Quem o
acompanha em teatro principalmente já sabia que ele era plenamente capaz de
segurar o projeto. Mas ele consegue ir além e entrega uma composição minuciosa
em todas as facetas que Augusto e Bingo apresentam.
Há
um momento que, pelas circunstâncias, temo um misto de homenagem e emoção ao
trazer o recente falecido Domingos Montagner, que já havia trabalhado como
palhaço, como uma espécie de mentor e consultor.
Retrato
competente de uma geração colorida, de exageros e pouco freio, Bingo: o rei das manhãs é um filme
competente que consegue rir e emocionar nas mesmas proporções. Peca apenas em
encerar sua história de forma acelerada contrapondo com todo o cuidado que até
então estava apresentando.
Nota
9,0
Ficha
Técnica:
Bingo: O rei das manhãs (Brasil, 2017).
Drama, comédia, biografia.
Direção:
Daniel Rezende.
Elenco:
Vladimir Brichta, Leandra Leal, Emanuelle Araújo, Cauã Martins
Duração:
113 min.
[1] E em uma cena específica notem o uso sutil da
linguagem cinematográfica. Quando a personagem descobre que até então seu papel
de condessa em uma novela foi tomada por outra ela chora. Ao sair de cena ela
apaga a luz que iluminava o seu quadro. Ali, o filme mostra que a personagem
naquele momento perdeu seu brilho e sua vontade de viver.