quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Crítica: Bingo: o rei das manhãs

Crítica: Bingo: O rei das manhãs (Brasil, 2017)

Por Marlon Fonseca


Um homem vai ao médico, diz que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto.
O médico diz: "O tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade, assista ao espetáculo. Isso deve animá-lo."

O homem se desfaz em lágrimas. E diz: "Mas, doutor... Eu sou o Pagliacci." (Alan moore, Watchmen)

A frase acima tornou-se uma alegoria conhecida em retratar algo infelizmente comum. A dor e a amargura por parte de pessoas que transmitem alegria. Não é incomum por trás de um sorriso e uma máscara esconder-se uma alma amargurada. O Brasil teve uma história rica nesse sentido na pele de Arlindo Barreto, o primeiro Bozo da televisão, personagem famoso da década de 80 e que marcou toda uma geração de crianças.

Em Bingo: o rei das manhãs, o Diretor Daniel Rezende (montador de Cidade de Deus, Tropa de Elite 1 e 2, dentre outros, estreando na direção) e o roteirista Luiz Bolognesi retratam a conturbada vida de Arlindo, aqui nomeado Augusto Mendes, e ainda trazem um pouco dos bastidores da televisão (com situações surpreendentemente ainda atuais) e todo um retrato da década.

Deve-se esclarecer que os próprios responsáveis pelo filme apontam que não se trata de um retrato fiel, uma biografia apurada de Arlindo. Situações e alguns personagens sofreram liberdades criativas.

No filme acompanhamos a ascensão de Augusto e seu personagem enquanto em paralelo destrinchamos seu relacionamento com filho, mãe e a produtora de seu show. Retrata sua luta em enfim alcançar um sucesso mas ainda permanecer um desconhecido e estilo de vida desregrado e perigoso que o levaram à derrocada.

Um retrato de uma vida e épocas de cores e exageros


O roteiro consegue oscilar bem entre a comédia e o drama e trabalhar bem as facetas e nuances do protagonista. Fica bastante claro o que lhe atormentava, motivava. Trazer um retrato da época de forma indireta enriqueceu o longa.  Após assistir ao filme não consegue-se imaginar outro personagem da nossa cultura pop como seu retrato. E a sequência em que ele traz ao seu programa uma ainda então novata Gretchen (Emanuelle Araújo) é o exemplo mor disso.

A única questão verdadeiramente negativa é o final que soa bastante abrupto, enfraquecendo justamente a redenção do personagem e diminuindo o impacto de sua história.

Dentre os relacionamentos que gravitam em torno do augusto três merecem maior destaque. O com seu filho (Cauã Martins), que segundo o próprio Arlindo, foi essencial para sua recuperação. E com Lúcia (Leandra Leal), pessoas tão diferentes em suas visões profissionais e de vida que no final acabaram se completando. Já com sua mãe (Ana Lúcia torre), uma diva da televisão resulta em momentos lindos.[1]

O ritmo do filme é digno de um diretor habituado com o trabalho com montagem.  Ele te prende atenção do início ao fim, prejudicado apenas pelo final apressado acima mencionado.
Augusto e Lúcia: opostos que se completam.


Outro fato que merece destaque e apreço é a reprodução impecável da época. Trejeitos, gírias, trilha sonora, objetos de cena, figurino, até efeitos especiais para deixar o Rio de Janeiro com a cara da década 80 o filme traz.

Mas o coração mesmo do filme é atuação visceral de Vladimir Brichta. Quem o acompanha em teatro principalmente já sabia que ele era plenamente capaz de segurar o projeto. Mas ele consegue ir além e entrega uma composição minuciosa em todas as facetas que Augusto e Bingo apresentam.

Há um momento que, pelas circunstâncias, temo um misto de homenagem e emoção ao trazer o recente falecido Domingos Montagner, que já havia trabalhado como palhaço, como uma espécie de mentor e consultor.

Retrato competente de uma geração colorida, de exageros e pouco freio, Bingo: o rei das manhãs é um filme competente que consegue rir e emocionar nas mesmas proporções. Peca apenas em encerar sua história de forma acelerada contrapondo com todo o cuidado que até então estava apresentando.

            Nota 9,0


Ficha Técnica: 
Bingo: O rei das manhãs (Brasil, 2017).
Drama, comédia, biografia.
Direção: Daniel Rezende.
Elenco: Vladimir Brichta, Leandra Leal, Emanuelle Araújo, Cauã Martins
Duração: 113 min.









[1] E em uma cena específica notem o uso sutil da linguagem cinematográfica. Quando a personagem descobre que até então seu papel de condessa em uma novela foi tomada por outra ela chora. Ao sair de cena ela apaga a luz que iluminava o seu quadro. Ali, o filme mostra que a personagem naquele momento perdeu seu brilho e sua vontade de viver.