Crítica #99 – A Cabana (The Shack, USA, 2017).
Por Marlon Fonseca
O tema da
relação entre o homem e sua fé já foi abordado de inúmeras formas e gêneros no
cinema. M. Night Shyamalan, por exemplo, fez o personagem de Mel Gibson a
readquirir após o enfrentamento de uma invasão alienígena em Sinais. Já em O Exorcista o padre Karras precisou enfrentar o próprio demônio. No
recente Silêncio, Martin Scorcese
abordou o assunto sobre o viés histórico e cultural. Já nesse A Cabana o enfoque é metafórico através
de “diálogos com o próprio Deus”.
Adaptação do
livro de grande sucesso de Willian P. Young, publicado no Brasil em 2008, a
história traz um homem que apesar de cercado de pessoas de fé (primeiro seu
abusivo pai e mais tarde esposa e filhos) nunca soube lidar com o assunto de
forma apropriada. Após uma tragédia, recebe uma misteriosa carta que o leva a
cabana do título.
A boa notícia
é que o filme não cai na perigosa pieguice que pode cercar o tema e o gênero. É
tudo muito contido, inclusive no uso da trilha sonora, quase que incidental.
Não se trata portanto de uma “pregação disfarçada”.
Há, porém, uma
irregularidade narrativa que o prejudica como filme e mensagem. Ele oscila
entre bons e inspirados diálogos para declarações mais expositivas e não
aprofundadas. Os temas propostos soam quase todo como superficiais além das
relações entre os personagens que se tenta estabelecer e desenvolver ali.
Sua maior
covardia nesse aspecto reside em insinuar um ato negativo do protagonista no
início do filme e depois simplesmente ignorá-lo em seu restante.
Assim como
toda obra cultural, e principalmente pela temática trazida, sua leitura vai
depender da pré-disposição do público em encara-lo. O espetador mais em dia com
sua fé vai assimilar melhor a mensagem e conseguir se emocionar em alguns
momentos.
Relação entre o protagonista e a trindade é mal desenvolvida |
Já por outro
lado, certas questões serão mais criticadas por quem o enxerga mais distante e
friamente. Pode-se indagar, por exemplo o porquê do protagonista ter sido
“beneficiado” para conversar com a trindade ao invés de qualquer outra pessoa
em necessidade ou conflito interno. E aqui não há qualquer explicação
metafórica que consiga saciar esse questionamento.
Tecnicamente
traz uma fotografia bonita que serve para oscilar entre o humor do protagonista.
Há, até o uso do expediente das cores no vestuário como indicativo de estado de
espírito dos personagens Tome como exemplo, a personagem Nam (Radha Mitchell),
esposa, do protagonista. Antes da “grande tristeza” ela aparece sempre em tons
claros, com uso excessivo de branco. Após, ela já usa vestes mais acinzentadas
e fechadas, mostrando a sua dor e ao mesmo tempo sua força em ser o pilar da
família naquele momento. Os demais sempre estão em tom escuro após o
acontecimento, chegando ao fato de o protagonista usar até mesmo uma veste
vermelha para expressar sua raiva.
Família unida e feliz antes da "grande tristeza". Nessa fase os vestuários são mais claros e leves |
Do elenco, o
fator positivo fica para o trio que interpreta os filhos do casal que seguram
muito bem principalmente nas cenas dramáticas. A jovem Missy (Nome não dado por
acaso) interpretada por Amélie Eve tra uma luz e espontaneidade admiráveis. Octavia
Spencer surpreendentemente abandona seus maneirismos exagerados e olhos
esbugalhados e traz uma atuação serena como o papel lhe exige. Já Sam
Worthingtom que por há algum tempo atrás pintou como novo astro de filmes de
ação e vinha sumido não alcance ao máximo as nuances dramáticas necessárias para
Mackenzie. A brasileira Alice Braga aparece em um importante segmento onde justamente é a parte onde os diálogos e situações são melhores resolvidas.
Trazendo uma
mensagem importante e questionamentos e metáforas válidas de forma
beneficamente sutil, A Cabana acaba
esbarrando em uma execução irregular e superficial em muitos dos temas
propostas o que lhe prejudica como filme e mensageiro.
Nota 6,0
Ficha técnica:
A Cabana (The Shack, USA, 2017). Drama. Fantasia. Direção: Stuart Hazeldine. Elenco: Sam Worthingtom, Octavia
Spencer, Radha Mitchell, Megan Carpenter, Gage Munroe, Amélie Eve. Duração: 132
min