sexta-feira, 7 de abril de 2017

Crítica #99 - A Cabana

Crítica #99 – A Cabana (The Shack, USA, 2017).

Por Marlon Fonseca

O tema da relação entre o homem e sua fé já foi abordado de inúmeras formas e gêneros no cinema. M. Night Shyamalan, por exemplo, fez o personagem de Mel Gibson a readquirir após o enfrentamento de uma invasão alienígena em Sinais. Já em O Exorcista o padre Karras precisou enfrentar o próprio demônio. No recente Silêncio, Martin Scorcese abordou o assunto sobre o viés histórico e cultural. Já nesse A Cabana o enfoque é metafórico através de “diálogos com o próprio Deus”.

Adaptação do livro de grande sucesso de Willian P. Young, publicado no Brasil em 2008, a história traz um homem que apesar de cercado de pessoas de fé (primeiro seu abusivo pai e mais tarde esposa e filhos) nunca soube lidar com o assunto de forma apropriada. Após uma tragédia, recebe uma misteriosa carta que o leva a cabana do título.

A boa notícia é que o filme não cai na perigosa pieguice que pode cercar o tema e o gênero. É tudo muito contido, inclusive no uso da trilha sonora, quase que incidental. Não se trata portanto de uma “pregação disfarçada”.

Há, porém, uma irregularidade narrativa que o prejudica como filme e mensagem. Ele oscila entre bons e inspirados diálogos para declarações mais expositivas e não aprofundadas. Os temas propostos soam quase todo como superficiais além das relações entre os personagens que se tenta estabelecer e desenvolver ali.

Sua maior covardia nesse aspecto reside em insinuar um ato negativo do protagonista no início do filme e depois simplesmente ignorá-lo em seu restante.

Assim como toda obra cultural, e principalmente pela temática trazida, sua leitura vai depender da pré-disposição do público em encara-lo. O espetador mais em dia com sua fé vai assimilar melhor a mensagem e conseguir se emocionar em alguns momentos.

Relação entre o protagonista e a trindade é mal desenvolvida


Já por outro lado, certas questões serão mais criticadas por quem o enxerga mais distante e friamente. Pode-se indagar, por exemplo o porquê do protagonista ter sido “beneficiado” para conversar com a trindade ao invés de qualquer outra pessoa em necessidade ou conflito interno. E aqui não há qualquer explicação metafórica que consiga saciar esse questionamento.

Tecnicamente traz uma fotografia bonita que serve para oscilar entre o humor do protagonista. Há, até o uso do expediente das cores no vestuário como indicativo de estado de espírito dos personagens Tome como exemplo, a personagem Nam (Radha Mitchell), esposa, do protagonista. Antes da “grande tristeza” ela aparece sempre em tons claros, com uso excessivo de branco. Após, ela já usa vestes mais acinzentadas e fechadas, mostrando a sua dor e ao mesmo tempo sua força em ser o pilar da família naquele momento. Os demais sempre estão em tom escuro após o acontecimento, chegando ao fato de o protagonista usar até mesmo uma veste vermelha para expressar sua raiva.

Família unida e feliz antes da "grande tristeza". Nessa fase os vestuários são mais claros e leves

Do elenco, o fator positivo fica para o trio que interpreta os filhos do casal que seguram muito bem principalmente nas cenas dramáticas. A jovem Missy (Nome não dado por acaso) interpretada por Amélie Eve tra uma luz e espontaneidade admiráveis. Octavia Spencer surpreendentemente abandona seus maneirismos exagerados e olhos esbugalhados e traz uma atuação serena como o papel lhe exige. Já Sam Worthingtom que por há algum tempo atrás pintou como novo astro de filmes de ação e vinha sumido não alcance ao máximo as nuances dramáticas necessárias para Mackenzie. A brasileira Alice Braga aparece em um importante segmento onde justamente é a parte onde os diálogos e situações são melhores resolvidas.

Trazendo uma mensagem importante e questionamentos e metáforas válidas de forma beneficamente sutil, A Cabana acaba esbarrando em uma execução irregular e superficial em muitos dos temas propostas o que lhe prejudica como filme e mensageiro.

Nota 6,0


Ficha técnica: A Cabana (The Shack, USA, 2017). Drama. Fantasia. Direção: Stuart Hazeldine. Elenco: Sam Worthingtom, Octavia Spencer, Radha Mitchell, Megan Carpenter, Gage Munroe, Amélie Eve. Duração: 132 min